segunda-feira, 30 de abril de 2012

Peripécias culinárias dos 365 dias - Parte I

Foram 365 dias morando na Europa, e foram 365 almoços, 365 jantas, cafés da manhã, tarde, snacks, quitutes e o que seja, e esse post, que sem dúvida será dividido em muitas partes, vai decorrer sobre tudo que comi, experimentei, e até mesmo sobre aquilo que me ofereceram mas não rolou de aceitar. Esse festival de cores, sabores e algumas bizarrices culinárias que sem dúvida é um dos pontos essenciais de qualquer boa viagem que se preze. Boa Apetite.



Bitterballen - snack tipico holandês, vende em qualquer lugar e eu amava, crocante pra burro por fora, cremoso por dentro e essa coisa cremosa de dentro nunca descobri ao certo o que era, só sei que em geral estava muito quente e todo mundo queimava a língua de inicio, Suzanne sempre me advertia, lembro com carinho. Existe umas versões maiores dos bitterballen, chamavam de croquette e comiam em geral dentro do pão, afinal, o que holandês não poe dentro do pão, vamos ser sinceros. rs




Faisselle com geléia - tipica sobremesa francesa, ao menos era assim na casa de Antoine, e eu amo cem por cento, faisselle nada mais é que queijo fresco cru, e aí é só acresentar sua geléia favorita e zas, e pocha, geléia na França é uma das melhores coisas do mundo, muito amor. Lembro que uma vez de retorno em Paris escrevi uma msg de txt pro Antoine quando partia da estação de Haia "pode comprar faisselle e geléia que eu to chegando amanhã cara" (: E não é que ele comprou mesmo e em três dias acho que comi tudo. rs


Salada Shopska - Essa salada é a melhor salada do mundo, acredite, muito famosa nas regiões balcânicas, comi na Macedônia e me apaixonei pra sempre, o elemento chave é o queijo grego, ou feta, nome mais popular na Europa, um queijo azedinho que caí deliciosamente bem com o tomate, a cebola e o pepino. Cheguei a reproduzi-la na Holanda pra minha família, porque queijo feta vendia no supermercado do bairro, aqui no Brasil só no mercadão, ainda não tive essa coragem alem que deve ser caríssimo, mas aceito de presente.





Pão com manteiga e flocos de chocolate - sabe quando você é criança e faz misturas bizarras e se acha muito descolado, todo mundo te acha muito esquisito e enfim, na Holanda essa sua invenção pode ser uma tradição, tanto no café da manhã ou no almoço é comum comer pão de forma com manteiga e flocos de chocolate, no começo eu achava meio estranho, mas me apaixonei com o tempo, também tem a versão pão com granulado, os famosos hagelslag (duvido você conseguir falar isso), granulados coloridos, umas bolinhas coloridas também, e até pão com manteiga e um tipo de biscoito dentro é bem apreciado pelos amigos holandeses. Minha marca favorita para os flocos era De Ruijter, se alguém quiser me mandar uma caixa aceito também! (:


Waffles Belgas com Nutella ou Chantilly ou Sorvete - ás vezes penso, eu voltaria na Europa, primeira coisa que comeria seria um waffle belga com nutella derretendo em cima, a gente até pode encontrar isso aqui em alguma loja cara que o valha, mas nada se compara com a graça de parar em um trailler de waffle no centro de Bruxelas como se fosse o tio do hot dog e ver o cara marrentinho fazer o waffle na hora em uma forma velha, isso sim é vida transbordando, e aí vem o waffle quente com a nuttela derretendo lentamente e você vai morrendo de alegria, as versões com sorvete e chantilly tambem são matadoras. I heart waffles forever!




Hutspot - Nunca me esqueço quando Suzanne me disse que ia fazer um prato típico holandês pra mim, me pediu para ajuda-la amassando as batatas, o tal prato, nada mais era que batata amassada, misturada com uma folhagem que tinha um cheiro acentuado de mato acompanhado por um salsichão enorme. Não era a coisa mais gostosa do mundo, mas dava pra comer e enchia bem e dava pra entender através desse prato como os holandeses tinham que ser criativos com as batatas em tempos de guerra "vamos amassar e colocar mato? Bora!" 




Arroz com nozes - Eu e Yara tínhamos nosso tradicional almoço às sextas-feiras, eu vinha com elementos do jantar da noite anterior e ela sempre trazia alguma coisa de casa, os almoços foram ficando tão tradicionais até o dia que ela nos convidou para ir almoçar na casa dela e ou quando fez um almoço especial porque até a avó das meninas foi convidada, e lembro que tivemos de comer no sótão porque na cozinha estavam consertando alguma coisa, foi um almoço único com sobremesa holandesa, minha querida torta de maça com chantilly. Um dos pratos ápice da Yara era um arroz delicioso com nozes árabe, que ela trazia a receita lá da sua mama no Egito, tinha um gosto doce, parecia canela, não sei ao certo, mas era salgado e levemente apimentado também, eu amava muito, tudo que Yara fazia era muito delicioso, comida de verdade sempre. Saudade dói.



Torta de maça holandesa com Chantilly - mencionada no tópico anterior, a torta de maça com chantilly (appeltaartke met slagroom) é minha grande história de amor culinária com a Holanda, especialidade de Suzanne, uma tradição passada de geração em geração em sua família, nenhuma torta em toda a holanda era melhor que a dela, eu experimentava em todo lugar e nunca encontrava, fazia questão de dizer isso pra ela e portanto sempre que ela fazia uma vinha me contar toda contente, ganhei uma especial no meu aniversário inclusive, e no verão ela fez as tortas com maças colhidas no jardim, muito amor. A menina mais nova não gostava da torta e eu e a mais velha ficávamos sempre chocadas de como ela conseguia rs. A torta de maça holandesa é bem simples de fazer,  a massa que deve ser mais difícil, mas era só comprar pronto, embora eu tenha pedido a receita original pra vóva das meninas, dentro era só colocar a mistura de maça, com açucar, uvas-passas e canela, tudo dentro das medidas perfeitamente holandesas, o cheiro enquanto ela estava sendo assada  me matava, eu tinha vontade de lamber o vidro do forno ou algo assim, depois servir sempre com chantilly fresco e um copão de chocomel fechava o festival de deliciosidade que era essa torta. Como na Holanda eles são bem comedidos com comida, todo momento de torta era um pedaço só por pessoa, o que me ensinou a saborear as coisas com muito mais intensidade. Eu e torta de maça holandesa, é pra sempre, e nossas reuniões familiares pra saborea-la é uma fotografia bonita na memória do tempo.



Fecho esse post com minha amada torta, outros tantos ainda virão! Não esqueçam o guardanapo na próxima.

Eet Smakelijk !!! (o:








terça-feira, 24 de abril de 2012

eu sentei e chorei, então.

Crianças, esta aí uma coisa complicada de entender, o mundo delas é muito avesso ao nosso, é preciso descer muitos degraus na realidade pra assimilar, elas brigam por coisas aparentemente muito estupidas, mas aí temos que nos colocar no lugar delas, entender que sim, sentar no bichinho de pelúcia é um crime horrendo, criar favoritismos bestas, por qualquer detalhe é uma crise de horas, sentar do lado de uma e não de outra pode desencadear a próxima guerra mundial ou coisa que o valha.


Minhas kids holandesas brigavam por praticamente tudo, ainda mais na época da escola, acho que elas descontavam todas frustrações brigando uma com a outra, no começo era ainda mais difícil, elas descontavam a frustração de terem uma nova au pair que nem iam muito com a cara em discussões completamente sem fundamento, certeza pra fazer a minha vida mais difícil, afinal eu estava no lugar daquela que elas já gostavam tanto.


Eu pensava que em algum momento seria fácil lidar com essas brigas, que um dia eu estaria sobre controle de tudo, mas isso era uma ilusão, cada briga tinha uma natureza diferente, e em todas eu tinha que resolver de forma diferente, esta certo que usar a televisão dava muito certo, ou premiações em doce, mas muitas vezes nem isso. O que aconteceu no entanto depois de um tempo era que eu já discutia com elas de uma forma mecânica, sabia tudo que ia acontecer, e quando elas brigavam fazia de tudo pra elas se entenderem, pois apesar de todo ódio cuspido no momento de raiva, o amor entre elas era inimaginável, quando eu aprendi a falar holandês ficou ainda mais divertido, brigar em holandês é o supra sumo da briga, impor regras e tudo isso, você se sente the king of the world, porque o idioma é tão duro e impositivo, imagine Hittler em francês, duvido que ele teria conseguido persuadir tantas pessoas. HÁ (que horror)


Mas aí teve um dia que eu não consegui contornar as coisas, era inverno, já estava escuro, estava chovendo e tínhamos que ir pros malditos campos de hockey, pro treino da mais velha, a mais nova não queria ir OBEVEO, mas ela não podia ficar sozinha em casa, eu tinha que cozinhar ainda, também não queria ir, estava todo mundo de mal humor e estávamos atrasadas também, que legal, a mais nova quis levar um guarda-chuva, porque eu ia ter que leva-las na bike com a caixa, enfim, enfiou a ponta do guarda-chuva no olho da outra e aí começou a briga, e eu gritava, elas gritavam uma com a outra, a mais nova com coração ferido porque tinha aberto o guarda-chuva exatamente pra proteger a irmã também, e a irmã com o olho fodido nem queria pensar nisso, e a chuva apertava, e a janta esperava, o tempo corria, o frio de lascar e eu já em combustão, uma decidiu que não ia mais e empacou no caminho e eu falava e minhas palavras pareciam emudecer pela noite fria, ecoavam nas paredes das casas da Spitfire, então em um súbito, sei lá o que me aconteceu, já que palavras não adiantavam, eu desci da bike, andei até o banco em frente de nossa casa e comecei a chorar, e chorar, e chorar e chorar mais, a mais nova desempacou na hora, sentou do meu lado e chorava junto tão alto quanto eu, a mais velha orgulhosa não chorou, apenas ficou de cara fechada querendo que eu parasse, e a chuva apertava e o frio também, e chorávamos....elas disseram tudo bem então, a briga se calou "Vamos Jenny, vamos..." e fomos, em silencio, pelo escuro, pelas ciclovias, luzes acesas, faces molhadas, cores desbotadas pelo frio.


Lembro que durante essa briga eu gritei bem alto "ainda bem que vou embora em três meses, eu não aguento mais vocês duas, serio" Elas nem conseguiram dizer coisa alguma.


Cara, a gente fala muita coisa estupida na hora da raiva, acho que nessas horas o mundo deveria congelar até a raiva passar, evitaria muitos momentos irreais e tristes como esses.


E até das brigas dá saudade.



quarta-feira, 11 de abril de 2012

.os empregos mais legais do mundo.

Quando se está fora de casa, viajando por onde for, você certeza vai conhecer muita gente, é uma rotatividade tremenda, e com certeza vai responder as mesmas perguntas muitas e muitas e muitas vezes : da onde você é, o que faz, o que faz aqui, gosta daqui, e bla bla bla. E você também, evidentemente irá fazer as mesmas perguntas, pra socializar, pra puxar aquele assunto inicial, dar aquele pontapé na sua vida social longe de casa que às vezes pode ser bem complicada, e se não der certo, você pode terminar sozinha e amargurada no seu quarto e se suicidar, ao menos acho que esse é o maior medo das hostfamilies que de inicio  tentam fazer você socializar com qualquer ser vivo com habilidades de comunicação, mesmo que básicas, que mora na sua rua ou passa na frente da sua casa. rs


Durante as perguntas algumas pessoas me entediavam enormemente, tudo que elas faziam era monossilábico e sem intensidade, porem outras pessoas me fascinavam ou simplesmente me deixavam muito pensativas, como aquele menino naquela festa estranha com gente esquisita no meu primeiro mês, que enquanto dançávamos salsa me disse que trabalhava com crianças com diferentes tipos de deficiências mentais e concluiu com "eu gosto, mas às vezes elas me batem", ainda dançando salsa.


Tiveram também o moço nas montanhas alsacianas que ensinava presidiários a cultivar seus próprios legumes, a galera de entrega com bicicletas rápidas (o fietsexpress, fiets= bike em holandês), o amigo que trabalhava fotografando turistas em barcos pelo Rio Sena, saindo da Torre Eiffel, a amiga que tentava montar sua própria companhia de teatro no coração de Marselha, o secretário do partido comunista de Luxemburgo (oi, comunistas em Luxemburgo, só moram dez pessoas em Luxemburgo quase, imagine comunistas rs), a menina que fazia chapéus, o cineasta parisiense, o organizador de festas hypes de Bruxelas, a cientista afro com cabelo de Amy Winehouse em Berlim vinda do Bronx que falava "hey dude what's up" e também tinham aquelas pessoas que não faziam nada, apenas esperavam o bonde,  porque na Europa tem pensão pra tudo quanto é coisa, depressão, estudo, falta de vergonha na cara, e o povo ainda reclama, ficava de besta.


A descrição do meu trabalho também não era a mais comum do mundo "sou paga para andar de bicicleta, tomar sorvete e pular na cama elastica, separar brigas e cantar pra dormir, basicamente isso"


Apesar de alguns contra-tempos na vida, é sempre bom ser pago pra ser feliz.









terça-feira, 3 de abril de 2012

.Bruxelas mon amour.

Leia ao som de Ne me quitte Pas - Jacques Brel


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Bruxelas, não sabia o que esperar de lá exatamente, sabia que Cortazar, o escritor portenho, gostava muito, mas imaginava como uma Paris menorzita, ia em época de páscoa, minha primeira viagem fora da Holanda desde o início daquela viagem, dois dias antes de embarcar ainda nem tinha lugar pra ficar, e assim de repente me apareceram dois, decidi dividir.
Um casal flamenco e outro francófono, os dois primeiros dias foram dedicados aos flamencos, ela era compositora e ele recém chegado na cidade, organizava festas alternativas e tinha bastante tempo pra me levar para passeios peculiares.
Quando desci na estação de metro do bairro deles foi uma loucura, era um bairro de concentração árabe e eu me senti chegando no oriente médio e não em uma cidade tão perto de Haia, era uma explosão de idiomas e sensações, os dois me receberam muito bem, moravam em uma ruazinha simpática no centro em um apartamento mais simpático ainda, Seb me levou para um passeio e logo nos primeiros passos eu fui me apaixonando por Bruxelas, com suas ruas com cheiro de chocolate, sebos e lojas culturais, batatas fritas em toda esquina e os saudosos waffles quentes com nutella derretendo em cima, ao chegar na Praça Central, elegi minha praça favorita em todo mundo, onde o som era diferente de qualquer lugar e onde Karl Marx tinha escrito partes do manifesto comunista, e som do acordeão em toda esquina, as ruas eram pra dançar.
Na minha primeira noite um jantar de família do casal flamenco, o holandês belga soava tão mais agradável que o holandês da Holanda, todos interessados pela minha presença, era uma família tão fácil de lidar, eu nunca me esqueço e a lasanha estava ótima, diga-se de passagem.
Em meus passeios Bruxelas se desenrolava como minha cidade favorita do lado oeste da Europa, existia um contraste entre o belo e o moderno, e graffites e um pouco de caos pro meu coração, eu fui na cinemateca quase todos os dias, podia ficar alí horas vendo cenas de Truffaut e Antoine Doinel quando criança, a mistura de idiomas na cidade me fascinava, e seus becos curiosos, Frida, a Kahlo também esteve lá, em uma exposição genialíssima, intimista onde me explodi de sentimentos. Teve também um mercado de pulgas mais inusitado, onde se vendiam até moedas do império romano e fotos de família já esquecidas no tempo, uma festa de nostalgia alheia. Na volta um açougue brasileiro, apinhado de conterrâneos e eu fiz Seb e Vanessa comerem croquetes feitos por mãos da terrinha. Quando me despedi deles pra ir pra outra casa, foi como me despedir de amigos próximos, tanto tínhamos conversado, especialmente antes de dormir, Vanessa cantou uma canção linda em seu violão pra mim e eu fiquei com aquele eterno desejo de um dia poder retribuir.
O casal francófono trabalhava muito, mas os dois eram as coisas mais fofas desse mundo e do próximo também, moravam em uma casarão mais afastado do centro com tantos andares e foram tão hospitaleiros que dava até vontade de acreditar na humanidade, o quintal era tão verde, tinha uma grama tão lisinha, me lembrava do Petter Rabbit, eu ficava  olhando pela janela do quarto e imaginando elfos e anões de gorro correndo pelos lados, dormia sorrindo. Meu último dia eu fui ver o museu do Brel, no centro e estava rolando uma exposição chamada "Eu amo os Belgas", pois é Brel, naquele ponto eu também já estava apaixonada por eles também. Querido Brel.
Claro que na volta pra Holanda eu me perdi no metro e assim perdi meu ônibus, aprendi que a Eurolines sempre atrasa, mas quando você está atrasado ela sai mais do que no horário, tentei correr atrás do ônibus mas não deu certo, claro, voltei de trem então, mas em realidade podia ter ficado uns dias à mais, uns meses talvez.

Definitivamente: Bruxelas mon amour!



Grande Place de Bruxelas

O mercado de Pulgas