domingo, 26 de agosto de 2012

ensaios sobre a tecnologia











Quando cheguei não entendi muita coisa direito, eram tantos dispositivos disso e daquilo que me senti automaticamente perdida, tá certo que o hostfather exagerava um pouco pois queria me explicar até como se usava o microondas, sempre me perguntei o que eles pensavam sobre minhas condições de vida no Brasil, já que no meu último dia Suzanne me perguntou se eu teria acesso à internet para mandar um email avisando que havia chegado bem, mas enfim.
A casa não tinha chaves, a entrada era pela leitura da impressão digital, uma vez brinquei dizendo que "já pensou fosse leitura ocular?" e o hostfather respondeu "sim, eu fiz o orçamento, mas era exorbitantemente caro" okay, okay, juro que me recusaria a morar em um lugar desse, ia me sentir demais em um filme de ação americano todos os dias.
Eu achava estranho que na dispensa eles só tinham a mangueira do aspirador de pó, cheguei até pensar "ao menos uma coisa deve estar errada", só que não, na realidade nas paredes tinham quadradinhos que quando abríamos começava a sugar, tudo que precisava fazer era colocar a mangueira lá e zas, não me perguntem pra onde esse bendito pó ia, me explicaram que tinha um compartimento em algum lugar da casa, mas eu preferia imaginar que ia pra um mundo paralelo.
As cortinas do corredor fechavam automático, eu gostava disso, sei lá me divertia apertar o botão e ve-las revelando ou escondendo o mundo lá de fora enquanto eu cruzava a casa.
A porta principal tinha travas elétricas automáticas, no inverno o chão se aquecia uniformemente, a luz do toillet acendia automático também, tava mal regulada então ficava escuro rápido, era ridículo ficar mexendo os braços sentadas no vaso, sério.
Na cozinha tinha máquina de café e chocolate quente, máquina de vapor pra cozir os legumes, forno, microondas, fogão elétrico, lava louças e uns 5 programas de iluminação diferente, eu nunca decorei  o certo, ficava apertando até achar o que queria, todos os dias.
Quando tocavam a campanhia o telefone tocava também, aí dava pra abrir a porta apertando sei lá que botão, mas isso não funcionava direito, isso só me irritava na realidade. Tinha uma câmera na sala, era legal ver a cara das pessoas esperando alguem abrir aquela porta gigante de vidro. A campanhia de inicio era o nome da família gigantescamente e aí ninguém sabia que aquilo era a campanhia e ficavam batendo no vidro, era meio estupido isso, ai eles trocaram pra uma normal.
A casa tinha um sistema de alarme irritante, um para quando não estravamos dentro da casa e outro pra quando estávamos, e em um ano apenas vi todos nos sendo vitimas dele, ele não ajudou em nada, resumindo, e cada visita por engano da segurança, que só chegava uma hora depois, custava cem euros, cem euros pra NADA, aí meus nervos.
Botões do panico, tinha também, é claro, segundo eles era só apertar a segurança vinha direto sem ligar antes pedindo a sequência de números. Bah, eu pensava, quem vai atacar essa casa? As ovelhas, as lebres, ou o falcão, ele sim, parecia suspeito e misterioso.

Uma noite acabou a luz, eu sozinha, claro, e toda essa tecnologia morreu, fácil assim, e eu dormi com a luz móvel da bicicleta acesa que havia me custado dois euros nas lojas Hema.

Obrigada.






quarta-feira, 22 de agosto de 2012

a mais velha.

- Eu não consigo dormir, posso dormir aqui com você?
- Tá, vem, deita aqui!

 E ela deitava, e ela dormia se eu cantasse, ela ficava arredia quando tinha medo, se fechava em um mundo particular, chorava doído de vez em quando mas na maior parte do tempo bancava a durona.
Sabia falar sobre tudo, tinha opiniões concretas sobre tudo quanto era coisa, sempre me surpreendia

- Você ama sua irmã certo?
- Amo muito Jenny e acho que ela tambem me ama, mas irmãs brigam, é assim não é?

Ela me lambia quando estava com saudades, sempre que me ligavam do carro ouvia sua voz chamando meu nome, tinha crises que nunca entendi tão bem, e chorou muito quando eu ri da sua boneca quebrada, me desculpei, eu juro.

- Qual sua estação do ano favorita, verão ou inverno?
- Não sei te responder isso, gosto das duas, o verão é legal porque tem piscina, mas o inverno é legal porque posso fazer bolas de neve, gosto das duas, não tem como responder isso.

Sabia ser independente, podia passar horas brincando com playmobils e outras horas lendo.

- Só mais essa página Jenny, só mais essa.

A gente brigou diversas vezes, de igual pra igual, ainda mais quando ela queria trapacear nos jogos, eu sempre brigava, até esquecia que era a adulta alí.

- Não vou mais brincar, você está me enganando - as regras em holandês me ludibriavam.
- Não estou não! Você que não sabe brincar.
- Você que não sabe, não quero mais.
- Okay, nunca mais brinco com você.
- Nem eu com você!
E saíamos as duas pra cada lado da casa, meia hora depois estávamos brincando de novo.

- Jenny você seria uma palhaço incrível.
Ela sempre dizia, sempre dizia que eu era louca também, mas em geral eramos loucas juntas.

- Jenny você é louca e eu sei, Jenny Penny Jennina Jenniperina
- Você é louca, você que é.

E rolávamos no chão ou algo parecido.

- Como nascem os bebes, você sabe?
- Claro que sei!
- Ah é como?
- As pessoas fazem sexo oras duh.
- Ah.... - eu com cara de nada, esperando o velho papo da cegonha sei lá.

Seus nove anos às vezes pesavam, ela não sabia o que fazer, quando estava muito perdida conversávamos e ela sempre tinha tanto a dizer, queria ter registrado tudo, como queria.

Ela nunca dizia eu te amo, ao contrário da mais nova, mais a mais nova dizia, menos ela queria dizer, eu fazia cocegas nela dizendo "eu te amo tanto, tanto, tanto", ela somente ria e dizia "você é louca e eu sei"

Nos últimos meses ficou fria, sempre lembrava pra todo mundo que estava indo embora, tratava do assunto com ironia e um certo desdem...ás vezes queria me machucar, parecia, esquecer, se proteger.

Quando parti,  foi quem mais chorou, quem mais chorou...


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Eu te amo pra sempre pelo melhor e único ano juntas de nossas vidas, pequena.


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

uma noite nos museus

Fui-me, embarquei-me, cheguei em solo holandês, senti frio, senti medo, foi a semana mais longa da minha vida, não me esqueço, ainda em São Paulo fazia planos pro próximo fim de semana, tinha uma vida tão ativa na minha terrinha e tinha medo de um certo marasmo holandês, era estranho programar planos corriqueiros para uma vida tão completamente avessa que já seria minha na próxima semana. Encontrei! Noite do museu em Rotterdam, relativamente bem perto de onde iria morar, então ao fim de minha primeira mais longa semana da vida, peguei o trem e parti para a tal noite, sozinha, pois nenhum dos meus ainda três contatos no país estava afim de passar a madrugada fria de março andando em museus, claro.
Solidão não é problema, ainda mais em museus, em geral companhias me irritam mais que agradam, pra ser bem sincera, sem querer ser chata nem nada, mas eu nunca sei calcular velocidade dos passos em museus quando estou com outras pessoas, e quando encontro alguém que vai no mesmo ritmo encho o saco da pessoa para irmos sempre juntas e ela acaba ficando com medo de mim, exagero gente, serio!
O sistema era simples, o ingresso era um botom que acendia luzes piscantes e desde que você ficasse com aquilo bem preso seria identificado como participante do evento, paguei acho que uns dez mangos e lá fui andar pela noite escura de Rotterdam com um mapa de museus e isso era tudo.
Pelas ruas tudo que se via eram pessoas com pontos brilhantes no peito, eram minhas primeiras impressões daquele povo peculiar que iria conviver durante um ano inteiro.
Teve uma abertura muito excêntrica na praça central, onde crianças jogaram ao àr balões e tudo, e depois todo mundo foi se espalhando, tinha museu pra caramba de tudo que era assunto e em um curto tempo-espaço, e em cada museu tinha eventos e pessoas e coisas excêntricas, lembro dessas moças no museu de Historia que ficavam pedalando uma bike atrelada ao um tear e então bolsas iam sendo produzidas, e elas davam as bolsas pras pessoas, lembro de um cover do Elvis no museu Naval, de um show muito coisa de outro mundo em frente ao mesmo museu, o vocalista usava sapatos enormes e gritava muito e tudo era assim, intenso demais.
Já batia as 4 da manhã e eu sentia muito sono e frio, decidi voltar pro hostel que havia feito questão de me hospedar pois ficava nada mais nada menos que nas incríveis casas cubiculares de Rotterdam, tudo era meio torto e ao acordar  tive vertigem seguida de náusea mas foi divertido, te juro. rs
Voltei pra Haia, cheguei em casa por volta das 14h, os hostparents me chamaram pra bater um papo.
- Percebemos que você gosta de museus! Sozinha no inverno e tudo.
- Sim, eu gosto um bocado.
- Então toma, pegue esse dinheiro e faça essa semana mesma um cartão anual!

Foi um dos melhores presentes, nunca o desprendimento me foi ruim afinal.

Rotterdam, das mais modernas cidades holandesas, reconstruída apos bombardeio de 1940